Traumas e vergonha: quando o problema é sentir demais

Tempo de leitura: 5 minutos

Ao fazer um curso sobre a Sabedoria do Trauma com o Dr. Gabor Mate, especialista em trauma e seus impactos na saúde física e mental ao longo da vida, assisti a uma entrevista dele com a cantora e compositora Sia Kate Isobelle Furler (Sia), renomada artista do mundo da música Pop atual. Além de seu talento musical e habilidades como compositora, Sia é famosa por utilizar enormes perucas para preservar sua privacidade e controlar a ansiedade relacionada à exposição pública e à fama.

Durante a entrevista com o Dr. Gabor, Sia discorreu sobre a vergonha que sentia em relação a si mesma, seu rosto e seu corpo, e como não se achava suficientemente bonita para o público, além do medo de não ser aceita e amada pelas pessoas. Esses sentimentos de sofrimento permeiam diversas letras de suas canções e das músicas que compôs para outros artistas, o que lhe proporciona uma grande identificação com o público.

Ao longo de sua carreira, Sia lutou para equilibrar seus episódios depressivos, o uso abusivo de álcool e uma doença autoimune. No entanto, ela relata que começou a superar seus medos em relação à exposição pública e a desenvolver amor próprio ao compreender e reconhecer seus traumas presentes em sua história de vida, assim como o medo de rejeição e a vergonha.

Sia descreveu o turbilhão de emoções que sentia, a ponto de temer ser sufocada por eles. Acreditar que esconder seu rosto diminuiria a vergonha que sentia em relação a si mesma e sua aparência. Em suas palavras: “_Sentia tanto e tantos sentimentos ao mesmo tempo, que acreditava que seria sufocada por eles e que em algum momento morreria de tanto sentir. Pensei que tudo que sentia iria me afogar, me sufocar. Pensei que iria morrer de tanto sentir”.

A entrevista de Sia com o Dr. Gabor me fez refletir sobre quantas pessoas podem se sentir da mesma forma. Você já passou por isso? Com uma inundação de sentimentos ao mesmo tempo, a ponto de acreditar que seria sufocado(a) por eles?

O medo, a tristeza, a angústia, a ansiedade, a raiva, a vergonha, a insegurança, todos se misturando, gerando uma grande confusão emocional?

Essa intensidade emocional pode resultar em ver o mundo como uma ameaça constante, onde qualquer coisa pode ferir-nos. Podemos nos sentir como esponjas absorvendo tudo ao nosso redor, ou como frágeis encostas em um mar revolto, prestes a desmoronar a qualquer momento. Essa sensibilidade exacerbada pode decorrer de experiências traumáticas que vivenciamos durante a infância ou em outras fases da vida, incluindo violências físicas, psicológicas, morais, financeiras e sexuais, ou ainda, a ausência de amor, afeto e valorização necessários para um desenvolvimento emocional saudável. Quando isso acontece, somos marcados por uma ferida aberta que se torna extremamente sensível, causando muita dor quando é tocada ou quando algo nos toca.

Conforme mencionado pelo Dr. Gabor, “Trauma significa ferida ou ferimento. É uma lesão psicológica. Trauma não é o que lhe aconteceu, trauma é o que acontece dentro de ti como resultado do que te aconteceu”. É por isso que a vergonha de se expor, o medo de ser rejeitado(a) e não ser aceito(a) são alguns exemplos do que se forma dentro de nós a partir das experiências traumáticas.

Essa ferida exposta é tocada e aberta quando nos deparamos com situações que despertam ressentimento e vergonha sobre quem somos, nosso corpo, nossa personalidade, ou quando duvidamos de nossas capacidades, nos sentimos desprezados, diminuídos, não valorizados ou não aceitos. Isso pode acontecer em várias relações, seja no trabalho, na família, com o cônjuge ou com os amigos. E, muitas vezes, as situações presentes podem não ser ruins, mas são interpretadas dessa forma devido aos traumas que carregamos.

Pessoas muito sensíveis e intensas tendem a se ver como um fardo ou um peso para os outros. Por isso, têm a tendência de tentar minimizar sua presença, não incomodar os outros, não pedir ajuda, não dizer não ou até mesmo agradar os outros, evitando expressar emoções como raiva e desgosto. Embora isso possa trazer a sensação de proteção, essa atitude apenas mantém a pessoa no mesmo lugar e pode agravar o sofrimento. Nessas situações, pedir ajuda se torna fundamental.

Quanto ao que Sia fez para diminuir a vergonha que sentia em relação a si mesma e desenvolver seu amor próprio, ela enfatiza a importância do autoconhecimento e do trabalho pessoal. Compreender a si mesma, identificar seus traumas e as situações que vivenciou, mas que não pode mudar, e perceber que essas experiências não determinam quem ela é hoje foram passos cruciais. Ela escolheu se cuidar e se valorizar!

Estar bem e equilibrar a vida não significa viver sem traumas, medos ou vergonha, mas sim conseguir lidar com essas emoções de uma forma menos paralisante, permitindo que elas sejam sentidas e compreendidas. Cada emoção e sentimento têm seu lugar e, ao compreendê-los, é possível mudar a forma como nos sentimos e percebemos a nós mesmos e à vida.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *