Como superar o luto? Uma conversa sobre as possibilidades de vida

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Vivemos em um contexto difícil de muitos lutos, seja por covid-19, seja por outras causas, o que tem mexido conosco no sentido de pensarmos sobre a nossa existência.  

Vou aproveitar para exemplificar com uma situação que ficou muito em evidência. Na última semana Ana Maria Braga nos deu um exemplo de vida ao vivenciar a perda Tom Veiga, que fazia o personagem Louro José, momento difícil e de muita dor e também momento de seguir em frente.  

Vivenciar um luto é viver as suas fases, do começo ao fim, cada um de nós a sua forma e intensidade. O que não podemos esquecer é que podemos seguir em frente e encontrar na vida novos sentidos e significados para a nossa existência. É sobre isso que vamos falar aqui!

O processo de luto

O luto é um processo dolorido, e sua elaboração apresenta diversos sentimentos com durabilidade variável conforme as suas fases. Passamos pela fase de choque, de horas ou dias que podem vir acompanhados de uma sensação de confusão. Passamos pela fase de busca da pessoa perdida, de desespero na qual experimentamos todos os sentimentos da realidade da perda e ao mesmo tempo a esperança de um reencontro.

Queremos acreditar que tudo não passou de um pesadelo, e na medida que vamos sentindo os dias passar e vimos a rotina mudar, uma desorganização de si, de seu dia sem o outro, o luto então pode ser sentido com mais intensidade. Vai ser necessário reajustar-se a um ambiente ao qual aquela pessoa não está mais presente.

Na medida que o tempo passa e vamos nos reorganizando o processo de aceitação da realidade da perda vai se tornando possível, não sem a saudade, as lembranças e o desejo de rever a pessoa, o que torna o processo de luto gradual, mas já conseguindo fazer novos planos. 

Veja mais sobre o processo de vivenciar o luto neste texto!

Bem, já falamos por aqui, também em outros momentos, sobre as características do luto e sobre o que envolve. O que pouco falamos, nesse processo, é da nossa capacidade de superação do luto e da ausência, da falta do outro.  Afinal, como podemos superá-lo?

Superar o luto passa pela fase chamada aceitação (última fase do luto). Aceitação da realidade da perda, do término, da ausência, de uma vida com um jeito de viver que não existirá mais da mesma forma. Superar o luto envolve uma mudança de identidade!

Aceitação, o que significa?

Aceitação significa que é o momento ao qual a pessoa passa a repensar a sua vida, a ter interesse pelas coisas do mundo, a fazer planos futuros. É quando a pessoa já consegue expressar mais o que sente e seguir em frente, compreendendo inclusive as aprendizagens desenvolvidas a partir dessa experiência de perda. 

Aceitar, não significa viver sem a saudade, sem dor e sim que chegamos em um momento ao qual estamos conscientes que o outro não está mais conosco e que não podemos controlar o que ou quem iremos perder, mas podemos escolher como iremos viver depois que perdemos. 

Aceitar a morte tem a ver com a forma com a qual aceitamos a vida, afinal vida e morte se completam. Diz de dois aspectos centrais: a forma com a qual vivemos a nossa própria vida com a consciência da nossa morte; e a forma com a qual vivemos com as pessoas que amamos com esta mesma consciência. 

Não temos controle sobre o que vai acontecer e que por mais que se busque certezas para nos sentirmos seguros, a vida simplesmente acontece no ato de vivê-la, sem chances de retornos. 

Aceitação da perda do outro, também diz respeito a aceitação que vamos ter da nossa dor. A dor do luto é vivida de forma única por cada pessoa e cabe a ela dizer da sua intensidade. Diante disso, o fato é que na medida que aceitamos a nós mesmos, as nossas dificuldades e sofrimentos a aceitação da perda do outro também se tornará possível. O que realmente faz diferença é a forma com a qual vamos enfrentar o sofrimento que as perdas nos geram. 

“Aos poucos, vamos descobrindo que não se perde quem amamos. O que perdemos de fato são os novos momentos. Não teremos mais novos abraços, novos sorrisos, novas discussões e novos passeios. Mas teremos as lembranças dos velhos abraços, do sorriso eterno e dos passeios inesquecíveis. Serão essas lembranças que nos farão perceber que valeu a pena. Valeu tão a pena que valerá a pena continuar buscando novos abraços, novos sorrisos, novos passeios, novas aventuras” (Anita Bacellar, 2019).

Como superar o luto de uma vida não vivida? 

Bem, a aceitação é mesmo um processo e cada pessoa levará seu tempo para acessá-la. Entretanto, aceitação também diz respeito ao quanto nos sentimos vivos em cada momento e com cada pessoa que amamos. Quanto tempo, por querer estar perto, passamos com as pessoas que amamos? Quantas memórias, lembranças produzimos? Quantos encontros inesperados, quantos surpresas ou aventuras vivemos? O que você tem feito de seu tempo?

Quanto tempo você tem passado se relacionando com a sua vida e com tudo e todos que ela envolve? 

O quanto você se desafia no seu ato de viver?

Não é raro encontrar casais que terminam seus relacionamentos porque um não tinha tempo para o outro e para a relação. Não é raro encontrar términos das mais variadas relações sem ter tido tempo de dizer sobre grande parte dos afetos que sentiam.

Às vezes, temos uma falsa sensação de que vamos viver para sempre não é mesmo! E que ainda vão haver momentos e mais momentos para viver aquilo que não estamos nos permitindo ou até mesmo conseguindo viver com as pessoas que amamos.

Como diz Ana Claudia Quintana Arantes em seu livro “A morte é um dia que vale a pena viver”: podemos tentar acreditar que enganamos a morte, mas somos ignorantes demais para tal feito. Não morremos no dia da nossa morte. Morremos a cada dia que vivemos, conscientes ou não de estarmos vivos. Mas morremos mais depressa a cada dia que vivemos privados dessa consciência. Morremos antes da morte quando nos abandonarmos. Morremos depois da morte quando nos esquecerem. 

Quanta vida você tem vivido? 

Aceitação também diz da nossa disponibilidade para conseguir nos sentirmos capaz de amar, de criar janelas de oportunidades para estarmos com as pessoas que amamos e produzirmos encontros potentes de vida que ficarão nas nossas lembranças mais tenras. 

A vida é tão rara, como diz a música, que poderíamos ter medo de não estar vivendo o suficiente dentro das nossas possibilidades. Afinal, como superar o luto de uma vida não vivida? Das palavras não ditas ou dos afetos não expressos?

Pensando na pandemia, não podemos viver muitas coisas no sentido prático, mas podemos refletir sobre a maneira com a qual estamos vivendo. O que você tem feito para passar os seus dias e expressar o que sente?

Recentemente terminei de ler o livro “Carpe Diem: resgatando a arte de aproveitar a vida” de Roman Krznaric (2018), no qual ele fala em aproveitar as janelas de oportunidade que a vida lhe dá, tomar o dia para si. E que, por mais que parece estranho, carpe diem (aproveite o dia) não quer dizer “viva o presente” ou com a prática da atenção plena, mas com o ato de estarmos atentos à vida. Passado, presente e futuro no ato da escolha de nossos dias. 

E ele diz: “[…] reconhecer a natureza efêmera da existência e ser capaz de olhar a morte nos olhos ou flutuar sobre seu oceano talvez sejam os ingredientes mais essenciais do modo de vida carpe diem. Podemos trazer a morte para mais perto de nossas vidas para que ela os instigue a aproveitar o dia”.

Ao final cabe a nós decidir sobre qual a melhor forma de aproveitar o dia dentro das nossas possibilidades, “embora nem sempre possamos mudar nossas circunstâncias ou erradicar nossos sofrimentos, temos o poder de escolher a atitude que adotamos diante deles” (Krznaric, 2018).


“Creio que deveríamos criar o hábito de pensar na morte e no morrer, de vez em quando, antes que tenhamos de nos defrontar com eles na vida” (Steve Jobs).

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