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A afetividade afeta nossos pensamentos, nossas atitudes e jeitos de nos relacionar com as pessoas e com a vida. A dimensão afetiva do ser humano é composta por emoções, sentimentos, estados de ânimo e paixões. Ela é fundamental para a nossa humanidade, pois sem ela não passaríamos de autômatos (Cardella, 2009).
Quantas vezes nossos sentimentos surgem com tudo dentro de nós, não é mesmo? Vamos de momentos de felicidade ao sentimento de pura tristeza em um único dia. Situações nos acontecem e sentimos confiança que podemos resolvê-las, ou inseguros demais para pensar nelas e na nossa realidade, ou até desesperados com o que estamos vivendo nesse momento e no outro dia desafiados a perceber como era simples tudo aquilo.
Costumamos não gostar quando nos sentimos tristes ou frustrados e só queremos que tudo acabe logo. Até pensamos como seria bom se pudéssemos não sentir tudo isso, ou não ficarmos tão emocionados quando algo acontece e quando temos vontade de chorar ou enraivecer.
Pois é, parece até contraditório, mas a beleza da vida, ou das coisas que sentimos, a alegria só existe porque os sentimentos também existem em nós. Afinal, como saberíamos o que é felicidade se não tivéssemos a experiência da tristeza?
Buscamos, de maneira geral, desenvolver bons hábitos alimentares, fazer atividade física, estamos cada vez mais (cada um a seu modo) procurando cuidar da saúde, melhorar nossas relações (pessoais, familiares, amizades, de trabalho…), e desenvolver nossa espiritualidade. Desenvolvemos nossas habilidades acadêmicas, estudamos, aprendemos, conhecemos teorias e aplicamos.
Isso tudo não estará completo se a parte a dimensão afetiva não estiver se desenvolvendo. Porque escrevo isso para vocês? Muitas vezes ter desenvolvido todos esses aspectos dá a impressão que já conhecemos muito de nós mesmos, que estamos fazendo tudo que nos foi indicado para ter uma vida saudável, uma vida plena.
É geralmente nas relações humanas que vamos percebendo que, muitas vezes, não sabemos gerenciar tão bem o que sentimos e o que esperamos quando nos relacionamos com alguém.
Se pararmos para pensar sobre quantas vezes tivemos longas conversas sobre a tristeza que sentimos, a angústia, a ansiedade, a insegurança vamos perceber que foram raros esses momentos. Até porque nem sempre soubemos fazer esses diálogos conosco mesmo, estabelecer conexões com o que sentimos e compreendemos sobre o que sentimos.
Pode ser muito confuso lidarmos com os nossos afetos, pois ao longo da nossa história, fomos ensinados muito mais a desenvolver nossas habilidades cognitivas, racionais, comportamentais do que as emocionais. Por exemplo, vamos pensar em quantas vezes, já vimos pais tendo longas conversas com seus filhos para falar sobre sentimentos e emoções? Para falar sobre o que sentem? Para chorar juntos ou rir juntos? Para dizer do quanto se sentem angustiados com a vida?
É provável que essa conversa seja bem menos comum do que qualquer outra!
Falar do que se sente geralmente assusta e isso acontece por alguns motivos: um deles é que raramente identificamos o que estamos sentindo, nossos sentimentos costumam passar despercebidos no dia a dia; conseguimos sentir o aumento da ansiedade, do cansaço, da irritabilidade, da apreensão, mas nem sempre conseguimos dizer o que significa ou compreender porque essas emoções aumentam de proporção. Sem dizer das válvulas de escape que utilizamos para fugir ou esquecer do que sentimos, como nossas distrações.
Há uma busca por tentar equilibrar as coisas, equilibrar o que sentimos (viver em equilíbrio), acontece que a vida nem sempre é uma corda bamba, está mais para uma montanha russa!
Bem, vamos fazer uma diferenciação importante: o que são as emoções e o que são os sentimentos? Eles não são sinônimos. O emocional está saudável quando conseguimos perceber os mais variados sentimentos em conformidade com as situações vivenciadas. Por exemplo, quando fico frustrada por conta de um projeto ou plano que não se realizou, fico desanimada. Quando estou vivendo uma injustiça, me enraiveço.
Emoções são reações ao que passamos, aos impactos que sofremos diante de situações da vida. Emoções que perduram muito tempo podem se transformar em sentimentos. A raiva pode se transformar em irritabilidade, indignação e fúria; o medo em pânico ou pavor.
Os sentimentos referem-se ao valor que atribuímos a nossa experiência e ao modo como nos relacionamos com pessoas, objetos e situações. Aqui também estarão presentes aspectos da cultura e dos costumes que nos influenciam na forma de sentir, por exemplo, sentimentos de inferioridade, frustração, solidão, desamparo, vergonha, confiança, admiração, compaixão, amor, entre outros. Costumamos confundir, por exemplo, sentimento de tristeza com estar mal, ou tentamos fugir ou ignorar todo e qualquer sentimento que traga desconforto. E assim, muitos sentimentos e emoções acabam se transformando em sintomas.
Por que fugimos de sentimentos dolorosos ou emoções consideradas “ruins”?
Por exemplo, você aprendeu desde pequeno que expressar a raiva e desgosto é errado e não pode fazer, sentimos o risco do outro do qual amamos deixar de nos amar e nos aceitar caso o fizermos e crescemos evitando dizer da raiva que sentimos. Crescemos com a ideia de que não podemos expressar emoções avaliadas como ruins. Aprendemos a reprimir a ponto de não conseguir identificar quando se está irritado ou sentindo raiva por uma situação ou alguém e quando identificamos não sabemos o que fazer com esse sentimento.
Então, é provável que ao sentir raiva, ou incômodo não irá expressá-lo. Isso ao longo do tempo pode criar uma sensação de que o que vem de ti pode ser ruim e por isso não deve ser dito e assim vamos deixando de nos expressar pondo em dúvida as nossas sensações.
Muitos sintomas depressivos podem surgir, disfarçando os conteúdos hostis sufocados na vida de uma pessoa a partir de situações de raiva ou rancor que não foram elaborados, seja por quaisquer razões. No entanto, a raiva reprimida não desaparece, assim como outros sentimentos.
Quando não podemos expressar, ou não conseguimos expressar nossos sentimentos ou reconhecê-los em nós, sejam eles prazerosos ou desconfortáveis, podemos dificultar o desenvolvimento do lado emocional.
A autora Esther Carrenho (2005, p.17-18), destaca três pontos importantes sobre os sentimentos:
– Primeiro: É necessário conseguir reconhecer o sentimento para lidar com ele e para que ele não nos controle.
– Segundo: não temos controle sobre o que sentimos, podemos negar, reprimir, abafar, ignorar ou fingir, mas ainda assim os sentimentos estarão em algum lugar e quando menos imaginamos eles reaparecem.
– Terceiro: o outro não será responsável por aquilo que sinto; eles apenas ajudam a aflorar em nós o que já estava em nós.
A complexidade da dimensão afetiva do ser humano
A dimensão afetiva do ser humano é complexa, como um espiral, desde pequenos vamos formando o nosso autoconceito a partir das relações que temos e do que sentimos, das impressões que vamos tendo a partir das nossas experiências. E essas impressões formam como percebemos a nós mesmos – se gostamos ou não, se vamos nos sentir seguros ou inseguros, se a vergonha será maior do que a coragem, aprendemos a confiar em nós ou a nos sabotar incrédulos de nossas habilidades, aprendizagens e potencialidades humanas.
Vejo muito em nós, humanos que somos, a tentativa e por vezes cobrança de sermos perfeitos, de conseguirmos ver a vida positivamente e nos sentirmos em “equilíbrio” emocional. Tentamos despistar o que sentimentos e buscamos, muitas vezes, fora de nós as respostas ou parâmetros para as questões das quais não compreendemos.
E tudo bem, não é hora de se culpar, é provável que ao longo do processo crescimento sentir e expressar emoções e sentimentos não foi algo estimulado, e começar a olhar para o que se sente pode mesmo dar a sensação de estarmos abrindo a caixa de pandora! Talvez será necessária ajuda profissional para conseguir olhar para tudo que se sente, para conhecer o que se passa em ti de modo a não precisar mais gastar tamanha energia tentando controlar o que é natural em nós.
Afinal, só é possível sentir alegria, felicidade porque existe em nós a tristeza, sem ela não saberíamos quando estamos felizes. Sem a angústia não saberíamos que algo em nossa vida precisa ser mudado; sem a raiva não conseguiríamos tomar decisões ou nos impulsionar para fazer algo por nós, ou deixar algo que está nos incomodando.
Sem a ansiedade o que nos impulsiona para planejar o futuro? Sem medo não saberia me proteger das ameaças. Como saberei o que é prazeroso se não sei sentir o desprazer ou a frustração que as coisas causam?
Como poderei saber quando estou bem se não há em mim a experiências do que não é agradável?
Conhecer, compreender-se e saber gerenciar nossos sentimentos e emoções e como eles se fazem presentes em nosso jeito de ser, de viver e de lidar com os problemas cotidianos têm se apresentado como um grande diferencial para a qualidade de vida e para estar nas relações. E não apenas isso, as pessoas têm sentido cada vez mais a necessidade de compreender-se e se aprofundar em conhecer e saber lidar com o que sentem.
Assim como os temperos que produzem sabor aos nossos alimentos ou como as diversas cores que trazem beleza e compõe o arco ires, a dimensão afetiva do ser humano tem esse porquê: dar sabor e cor ao ato de viver!
Referências
CARDELLA, Beatriz H. Laços e nós: amor e intimidade nas relações humanas. São Paulo: Ágora, 2009.
CARRENHO, Esther. Raiva: seu bem, seu mal. São Paulo: Editora Vida, 2005.
CARRENHO, Esther. Depressão: tem luz no fim do túnel. São Paulo: Editora Vida, 2007.