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Sabe-se, a partir de estudos sobre o desenvolvimento psicológico, que, a cada novo papel que a pessoa precisa desempenhar, seja ele de estudante, profissional, pai, mãe entre outros que vamos desenvolvendo ao longo da vida gera angústia, medos, inseguranças. O aluno que ingressa na universidade, enfrenta um mundo novo, desconhecido, em alguns casos, assustador.
Quem já passou pela graduação sabe o impacto causado pela carga de estudos no corpo e na mente do aluno. Embora problemas de saúde mental possam ocorrer em qualquer estágio da vida, as estatísticas para estudantes universitários são particularmente preocupantes. Pesquisas feitas no Brasil e no exterior mostram que em média, um a cada quatro estudantes experimenta problemas de ordem emocional em algum momento durante o tempo em que está na universidade, e muitos também afirmam ter dificuldade em concluir suas tarefas diárias .
Ansiedade e depressão são os tipos mais comuns de doenças mentais relatados, e o estudo é a principal causa de estresse . Fatores como a carga excessiva de trabalhos e atividades costumam ter maior impacto na saúde mental dos estudantes, mas problemas com grupos de amizade e dúvidas em relação ao futuro e à empregabilidade também são grandes preocupações sempre.
A causa dos problemas
Os problemas de saúde mental podem ser causados por uma enorme variedade de fatores e mudam muito de pessoa para pessoa.
No caso da saúde mental no meio acadêmico os autores Almeida, Soares e Ferreira (2000), evidenciam três principais fatores que interferem no processo de adaptação do estudante e que podem influenciar na sua saúde mental: a variável pessoal, acadêmica e de contexto.
Na variável pessoal o acadêmico estará em um momento de formação de uma nova identidade, seja pela passagem da fase da adolescência para a idade adulta, que por si só significa uma grande mudança a nível fisiológico, psicológico e social aos estudantes, seja pela aquisição de novas responsabilidades pessoais e sociais e das novas possibilidades de escolha que este jovem adulto terá.
O estudante também vai estar passando por mudanças no desenvolvimento das suas habilidades interpessoais, pois está em contato com um número maior de pessoas, de ideologias, atitudes e comportamentos aos quais ele não estava acostumado até o ensino médio. Há o estabelecimento de novos vínculos afetivos com novos professores, colegas e lugares, expandindo a sua rede de relações e o conhecimento que tem sobre si mesmo, sua sexualidade e sobre o mundo.
A nível acadêmico o estudante estará passando pelas mudanças causadas pela adaptação à instituição – universidade -, com suas regras próprias e com a liberdade acadêmica. Neste lugar, ele terá a responsabilidade do seu próprio processo de aprendizagem, o que antes era centrado na escola, agora estará centrado nele como aluno e nas suas estratégias de estudo, de administração de tempo; equilibrando estudo, lazer, família, amigos e outras atividades, ou seja, colocando prioridades em sua vida.
A nível de contexto, coisas como viver longe de casa pela primeira vez, lidar com exames e prazos, a pressão para ter sucesso, incerteza sobre as perspectivas de emprego, a continuidade da vida acadêmica com a pós-graduação, o mestrado e o doutorado e dificuldades financeiras podem se acumular, afetando as emoções dos universitários de uma maneira ou outra.
Além disso temos outros fatores que influenciam no bem estar psicológico do acadêmico(a):
Competição: em um mundo cada vez mais competitivo, o ambiente acadêmico pode ser o primeiro contato de um jovem com esse clima de “vence o melhor”. A competição na escola até poderia existir, mas é na universidade que o fato de se destacar ou não pode ter reflexos na vida adulta, na carreira e até no modo como a sociedade vai enxergar essa pessoa. Se durante o ensino médio o estudante dedicado pode ter passado por situações de rejeição pelos outros, no vestibular e no curso superior as boas notas e a dedicação viram sinônimos de sucesso. Para alguns jovens esta troca de paradigma pode virar um sofrimento, e mesmo quem nunca teve problemas com autoestima pode começar a ter.
Falta ou excesso de família: estudantes universitários também precisam lidar com o contexto familiar. E aqui, as situações podem ser diversas. Temos o estudante que saiu de casa e sente falta da família, da cidade natal, dos amigos. Temos aqueles que longe de casa enfrentam uma liberdade que nunca tiveram e acabam vivendo essa liberdade com excessos. Temos o estudante que sofre pressão familiar por boas notas, pois os pais dizem estar se “sacrificando” para que ele possa estudar. Temos também os universitários que já formaram famílias, que já são mães e pais, e precisam lidar com todas as questões de um relacionamento, de filhos, etc… e ainda assim conciliar com os estudos. A universidade costuma ser um universo à parte em nossas vidas, um lugar de aprendizados e novas descobertas, e geralmente focados na área que sonhamos trabalhar. Quando estamos imersos neste universo, lidar com a família que até então era nosso principal apoio, com as pressões sociais e com as necessidades pessoais todas ao mesmo tempo pode causar problemas emocionais.
Dúvidas: ninguém sai da universidade do mesmo jeito que entrou. Exatamente por ser um ambiente de inúmeras possibilidades, é que é também umas das fases em que temos mais dúvidas sobre tudo na vida. A mais comum costuma ser a carreira, com o evoluir dos semestres, muitos começam a se questionar se fizeram a opção certa na hora do vestibular. Toda dúvida é absolutamente normal, mas ela costuma causar sofrimento porque além de nos preocuparmos em estar tomando a decisão certa ou não, estamos sempre preocupados com que os outros podem pensar a respeito das nossas decisões, e os impactos que tudo isso pode ter no nosso futuro. Abandonar um curso superior também pode ser mais difícil, principalmente quanto mais perto o estudante está da conclusão do mesmo.
Relacionamentos: no Brasil os jovens frequentam a universidade, ao contrário de outros países, como Inglaterra e Estados Unidos em que eles se mudam para os câmpus, aqui o nosso sistema é diferente. Existem os jovens que moram em albergues e casas estudantis que algumas universidades federais mantêm, mas são minoria. O quadro mais comum é do jovem que apenas vai para o câmpus na hora das aulas. Mesmo assim, os relacionamentos criados durante os anos de curso superior, não são menos intensos. Amizades que duram para o resto da vida, casamentos, namoros, sociedades, diversos níveis de relações surgem durante a vida acadêmica. Em alguns casos, os isolamentos ou a dificuldade em se relacionar com colegas e professores podem levar até o abandono do curso por causa do ambiente hostil.
É importante considerar que o meio acadêmico é só mais um espaço de vida e convivência social do estudante e que o adoecimento mental está relacionado a diversos fatores: biológicos, genéticos, psicológicos, sociais e culturais.
As diversas mudanças sociais ocorridos nos últimos anos relacionadas a valores, o avanço tecnológico, as transformações da vida em sociedade como o aumento do isolamento social, a individualidade, a competitividade são alguns fatores que influenciam na saúde mental da população como um todo, incluindo aqui os estudantes.
A solução virá em conjunto
Os estudantes estressados, angustiados ou sofrendo de uma doença mental ou até mesmo com problemas com o uso de substâncias, estão procurando respostas para perguntas diferentes, como:
- “Onde eu me encaixo?”
- “Onde isso está me levando?”
- “Qual é o objetivo?”
- “Vale a pena passar por tudo isso, e sofrer tanto?”
- “O que acontece se eu sair da universidade?”
É importante reconhecer que, à medida que nossas crianças com problemas emocionais são identificadas, apoiadas e adaptadas nas escolas primárias e secundárias, elas estão chegando jovens ou adultos à universidade e esperam receber estes cuidados contínuos, o que muitas vezes não acontece.
A ampliação do acesso à universidade, o aumento das instituições de ensino superior, ocorridos nos últimos dez anos no país, possibilitaram a ampliação do perfil do aluno. Hoje somos diversos, ocupando os nossos espaços por direito, aprendendo a conviver com a complexidade das relações humanas. Cada vez mais, há estudantes com diferentes experiências e entendimentos de suas emoções, com diferentes identidades de gênero, culturais e religiosas, e com medo de buscar ajuda. Alguns estudantes também têm mais problemas ao lidar com os desafios de desenvolvimento da idade adulta emergente ou com as circunstâncias da vida que surgem enquanto estão na universidade.
Cada pessoa, cada estudante vai viver esta experiência de uma forma única, de acordo com a sua história de vida e formação de personalidade, entretanto temos alguns pontos de destaque na prevenção e promoção à saúde mental no meio acadêmico:
- Preste atenção aos sintomas caso eles surjam: distúrbios de sono como insônia; isolamento social, ansiedade, depressão, desinteresse pelas pessoas e atividades em geral, ideação suicida, uso de substâncias psicoativas, entre outros;
- O acadêmico/acadêmica vai precisar de ajuda e amparo da sua rede de apoio – família e amigos – para superar essa etapa e seguir adiante;
- Estreitar laços interpessoais, com colegas da turma, professores, contar com a ajuda dos veteranos (integração entre as turmas), diminuindo a competitividade e estreitando laços de amizades e de relações humanas;
- Desenvolver as habilidades socioemocionais, saber lidar melhor com as suas emoções também são passos importantes na prevenção ao adoecimento psíquico. Não podemos esquecer que isso é algo construído ao longo do seu processo de desenvolvimento, incluindo a influência da escola nesse processo. Um aluno extremamente tímido no ensino médio poderá ter mais dificuldades nesse processo de adaptação no mundo universitário, por exemplo;
- O papel da universidade também é muito importante, como realizar pesquisas na área sobre satisfação, adaptação à universidade, assim como sobre os fatores protetores dessa adaptação, isso pode auxiliar a visualizar com mais clareza como ocorre essa vivência e o que pode ser feito para prevenir adoecimentos e promover saúde. A Universidade também pode proporcionar um ambiente de aprendizagem acolhedor, investindo na relação professor aluno, mantendo em constante avaliação os métodos de ensino;
- A informação sobre essas transformações do mundo acadêmico também se faz importante, de forma a construir uma ponte entre a passagem do ensino médio e a universidade. O apoio social e familiar será determinante nesse momento, os sentimentos diversos que o estudante está sentindo, o seu sofrimento não é brincadeira, ele realmente terá muitos motivos para se sentir assustado com sua nova realidade e precisará de ajuda para superá-los e não adoecer.
- Grupos de apoio na universidade, espaços de trocas de experiências aos quais os alunos possam compartilhar expectativas, medos, problemas e dificuldades. Incluindo aqui as dificuldades na administração do tempo, um dos principais fatores apontados pelos autores que geram estresse na vida acadêmica. Como o estudante reorganiza seu tempo a partir da entrada na universidade – estudo, vida pessoal, social e família. Cada pessoa irá sentir da sua forma, para cada um será uma experiência única, mas que pode ser compartilhada entre todos. Todas as angústias, mudanças, transformações, podem ser acolhidas, compartilhadas entre o grupo.
- Os grupos na universidade serão muito diversos, por isso compreender, aceitar e respeitar as diferenças é um passo muito importante para a saúde mental no meio acadêmico.
- Prestar atenção em si mesmo, não tenha vergonha ou medo de buscar auxílio quando precisar, seja com amigos, pais, professores, colegas, universidade e profissionais de saúde como psicólogos.
É possível passar pela experiência acadêmica sem adoecer, mas isso não quer dizer que o estudante vai passar por ela sem sofrimentos. Os sentimentos de angústia, tristeza, saudade, a vontade de desistir, entre outros estarão presentes. Entretanto, dadas as condições necessárias e facilitadoras de uma relação humana acolhedora, de cuidado entre os grupos e a universidade, é possível sair desta experiência transformado.
Determinar a melhor forma de fornecer atendimento e apoio eficaz aos alunos com base nas evidências e nas necessidades individuais, e conduzir pesquisas sobre saúde mental entre universitários é essencial, mas nem todas as respostas serão encontradas só com isso. Precisamos ouvir, se realmente ouvirmos, muitas vezes os alunos nos dirão o que sentem. Em um nível individual, devemos reconhecer que se sentir melhor pode ser o resultado de muitas coisas, como experimentar compaixão e empatia, aprendendo habilidades de enfrentamento de problemas e de capacidade de aguardar o tempo necessário para cada resposta, participando de grupos de apoio, enfim, muitas são as opções que podemos ter como base de apoio aos estudantes.