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Esta semana comemoramos o Dia das Mães. O comércio, por motivos óbvios, gosta de chamar essa semana como a “Semana das Mães”. No segundo domingo de maio, todos os anos, no Brasil e em muitos lugares do mundo, é o dia em que todos emanam gratidão por suas mães e por suas criações. É o único dia do ano reservado especificamente para valorizar as mães que nos nutriram, nos proveram, nos ensinaram e nos amaram.
Porém, assim como outras datas festivas, o Dia das Mães também pode provocar certos danos na saúde mental de quem não consegue lidar muito bem com essa comemoração, seja por qual for o motivo.
Pode ser uma data complicada:
- Para quem sempre sonhou em ter filhos, mas por algum motivo físico não pode;
- Para quem precisa lidar com o luto neste dia, seja a mãe que perdeu um filho, ou filhos que já perderam suas mães; e seja esse luto recente ou não;
- Para mães, que por qualquer motivo, precisaram se afastar e deixar de conviver com seus filhos;
- Para mães que decidiram não ter filhos, mas que mesmo assim se sentem cobradas a todo tempo pela sociedade;
- Para mães que foram abandonadas pelos filhos, muitas vezes mesmo estando fisicamente perto, mas emocionalmente distantes;
- Para os filhos que sofrem com o abandono materno;
- Para as mulheres que vivenciam a maternidade de forma diferente do habitual, e se sentem compelidas a comemorar algo que não gostariam;
- E tantas outras situações.
Nesse momento, você pode estar achando complicado e até mesmo cansativo o fato de problematizar o dia das mães. Saiba que essa não é a minha intenção aqui, mas sim aumentar a nossa perspectiva diante dessas datas, de que nem sempre o habitual ou a maioria devem ser acatados como normalidade.
Assim como no Natal, na Páscoa ou Dia dos Pais, milhares de pessoas no mundo, podem passar por algum tipo de sofrimento no próximo domingo, porque se considerou em algum momento que este era um dia para ser alegre e cheio de amor.
Precisamos cada vez mais, nos abrir diante de diferentes realidades, mesmo em assuntos considerados tabus como a maternidade. Comemorar o dia das mães pode ser mais tranquilo e verdadeiramente feliz para quem assim consegue, mas não deve ser mais um fardo emocional para quem não consegue.
E é a nossa empatia para com o sentimento e a realidade do outro que pode fazer com que essa data seja mais agradável de forma geral. Em época de redes sociais que estarão inundadas de homenagens e afirmações de “melhor mãe do mundo”, ter um olhar mais atento a alguém próximo que pode sofrer em datas assim faz todo sentido.
Quando você ama seus filhos, mas não ama a maternidade
Se você é mãe, provavelmente já se perguntou algum dia se existe folga para esse “cargo”. Ser mãe é um trabalho árduo. Mesmo nos melhores dias de lidar com os filhos, há momentos difíceis. Muitos dias, é o momento de alegria ocasional que faz tudo valer a pena. Outras vezes, parece não haver alegria que justifique todo cansaço.
Atualmente, você pode encontrar muitas pessoas, estudiosos e movimento que descrevem a maternidade com mais autenticidade e precisão do que no passado, incluindo os bons, os normais e os péssimos momentos dessa condição. As mães estão cada vez mais aceitando o fato de que ser mãe é difícil e às vezes sem nenhum glamour. Mas quase universalmente, essas histórias terminam com uma frase como “Vale a pena”, “Eu ainda não trocaria ser mãe por nada” ou mesmo “Ser mãe é o melhor emprego do mundo”.
Mas e se a sua experiência na maternidade não incluir essas afirmações? E se o seu verdadeiro sentimento é que, enquanto você ama seus filhos, a própria maternidade não é o que você pensou que seria e você simplesmente não gosta muito?
Para algumas mães, esses sentimentos surgem da depressão logo após o parto e, uma vez que a depressão aumenta, a alegria da nova experiência e das pessoas em volta com uma criança tomam conta e todos os arrependimentos de se tornar mãe se dissipam. Mas para outras pessoas, mesmo após a recuperação da depressão, e apesar de amar seus filhos e desfrutar de muitos momentos com eles, a conclusão é que a maternidade não é um trabalho agradável de maneira geral ou que escolheriam novamente.
E falo trabalho aqui, porque quando não gostamos do que estamos fazendo profissionalmente, é extremamente aceitável pela sociedade reconhecer isso e trocar de ofício; mas quando se fala em maternidade, admitir que não ama as tarefas maternas pode causar mais sofrimento ainda.
Poucas mães admitem ter esses sentimentos, mas isso não as faz desaparecer. Ser mãe é difícil e, é claro, faz sentido que nem todas sejam igualmente adequadas, comportamentalmente falando, a essa realidade. Mas o estigma de admitir que a pessoa realmente não gosta de ser mãe é enorme, e a necessidade de esconder esses sentimentos pode ser um fardo maior ainda – o que por si só contribui para a depressão e a ansiedade.
Há quem diga que permitir que as mulheres reconheçam seus sentimentos negativos sobre a maternidade pode afetar negativamente os filhos. Afinal, como estes filhos podem se sentir amados e desejados se soubessem o que a mãe realmente sente sobre a necessidade de criá-los? O argumento deve ser justamente o contrário. Julgar ou envergonhar essas mães pode fazer com que emoções normais sejam encaradas de maneira negativa, tanto pela mãe quanto pelos filhos. Reconhecer a ambivalência do ser humano; o fato de que nem todos os momentos são vividos da mesma maneira por todas as pessoas; permite que as mães se aceitem pelo que são e pelo que sentem, e fiquem mais livres para encontrar maneiras de tornar a maternidade mais autenticamente agradável.
O perfeccionismo de ser mãe pode cansar
Um dos temas comuns em mães que procuram ajuda psicológica porque sofrem de depressão e ansiedade é o perfeccionismo e a preocupação com a satisfação das pessoas perante suas atitudes. Mães ficam cansadas (fisicamente e emocionalmente) quando estão tentando fazer todo mundo feliz o tempo todo.
Existem razões históricas para a tendência de uma mulher que é mãe sentir-se excessivamente responsável pelo sentimento dos outros. Muitos de nós viemos de famílias em que havia uma expectativa que toda menina cresça para ser “boa” com os pais, os filhos, o marido e toda sociedade.
Por mais que esse padrão tenha mudado, provavelmente serviu a um propósito que faz com que as mulheres tenham essa segunda natureza. Aos homens “basta serem homens”. As mulheres devem ser mulheres e mães, e ainda crianças, aprendem a intuir o humor, pensamentos e sentimentos dos outros. Elas modificam seu próprio comportamento na tentativa de gerenciar as respostas dos outros. Muitas vezes, esse comportamento é recompensado. Quem não aprecia a menina prestativa que pergunta à mãe se ela precisa de ajuda nas tarefas de casa ou de um abraço quando parece triste, ou vai brincar discretamente no quarto quando há tensão entre os pais?
O custo desse cuidado inconsciente é uma perda de conexão consigo mesma. Quando seus pensamentos estão focados em intuir o que os outros querem e precisam, e suas ações estão focadas em agradar aos outros, há pouco espaço para experimentar seus próprios sentimentos, pensamentos e necessidades. Você pode nem perceber quando suas necessidades não são atendidas ou quando as emoções estão atraindo sua atenção. Às vezes, essas necessidades não atendidas e emoções não sentidas causam sintomas físicos – dores de cabeça, problemas nas costas ou no estômago ou outras dificuldades relacionadas. Esses sintomas temporariamente atraem nossa atenção para nós mesmos, dificultando o atendimento aos outros e concentrando mais atenção às nossas necessidades e em nosso desconforto.
Ter filhos pode empurrar o que já é um fardo emocional difícil para a sobrecarga, criando ansiedade , depressão, exaustão e manifestações físicas ainda piores. Embora você tenha sido capaz de manter seus amigos, empregador, parceiro e família felizes antes, quando um bebê aparece, um novo nível de exaustão ocorre. Agora você está privada de sono, tem um bebê cujas necessidades são infinitas, um parceiro que por mais que divida as tarefas também vai estar vivendo sobre estresse e é realmente impossível fazer todo mundo feliz. É nesse ponto que, para muitas mães, as coisas atingem um ponto de crise. A ansiedade se torna incontrolável ou a exaustão leva à depressão incapacitante. No entanto, também é uma oportunidade de abordar um padrão de comportamento de longa data que a impediu de cuidar de si mesma.
É necessário aprender a aumentar sua sintonia consigo mesma e abandonar os padrões inconscientes de cuidado. Observar como esses padrões se desenrolam na vida cotidiana pode ser esclarecedor.
Qualquer que seja o seu Dia das Mães, eu convido você a comemorá-lo com empatia, curiosidade e compaixão. Se para você representa beleza, gratidão e amor incondicional , comemore isso! Se a data desperta em você sentimentos de dúvida, culpa ou vergonha, haja de forma gentil com a sua consciência e saiba que você não está sozinha. Talvez seja uma data que traga sofrimento por uma mãe que já se foi ou a uma mãe que você nunca teve. Mas lembre-se que este é apenas mais um dia inventado para vender flores e cartões. A sua postura perante o que você sente quando o assunto é maternidade pode ser vivenciada durante todos os dias do ano, entendida e ressignificada. Esteja disposta(o) a entender melhor seus sentimentos, a psicoterapia pode te ajudar.
Lembre-se, há espaço em nossas vidas para todos os tipos de sentimentos, nós apenas precisamos estar dispostos a perceber cada um e como eles nos afetam. Você pode hoje apenas sentir-se bem por vivenciar a felicidade de outras pessoas de forma estimulante para a sua vida. Do jeito que for, eu desejo a você um Feliz Dia das Mães.