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Há dois meses, muitos não teriam imaginado que nosso mundo seria virado de cabeça para baixo. Quem pensaria que estaríamos praticando o distanciamento social ou estar em casa em quarentena? Todos os países do mundo hoje passaram por mudanças, e no Brasil não é diferente. Menos pessoas nas ruas, menos tráfego nas rodovias e não podemos mais frequentar parques ou praias para momentos de lazer como antes.
E a nossa vida em casa? Provavelmente os pais nunca imaginaram que 2020 seria o ano em que seus filhos estariam fazendo todas as aulas online. Ou que eles estariam trabalhando em casa, fazendo reuniões por vídeo chamada, ou até mesmo, lidando com distanciamento social em alguns estabelecimentos.
No meio dessa pandemia, estamos vendo esforços heróicos de homens e mulheres de nosso país nas linhas de frente. Sem dúvida, todos devemos fazer nossa parte, como tomar medidas de segurança, respeitar o distanciamento social, ficar em casa para evitar a propagação do vírus. No entanto, podemos reformular parte de nosso pensamento atual e optar por identificar, respeitar e ouvir nossas emoções.
Logo no começo da pandemia muito se falou na saúde mental. Psicólogos alertaram desde o princípio os efeitos que essa doença e todo seu background teriam no emocional da população. Principalmente porque para a maioria a possibilidade de uma situação tão adversa era remota ou inimaginável.
Todos nós já passamos em algum momento na vida por períodos de adaptação, isso é fato. Só que geralmente, nosso processo adaptativo acontece de forma mais naturalizada. Se nos mudamos para uma casa diferente, para uma cidade diferente, ou até mesmo um país, ainda assim teremos consciência de que certas coisas serão iguais, a cama para dormir, o banho a tomar, a hora da refeição, o momento de trabalhar, etc… De alguma forma, reviver situações comuns mesmo que em condições diferentes facilitam nossa adaptação. No caso da quarentena e do coronavírus, tudo é muito novo. A falta do contato humano, a mudança na forma como precisamos nos cuidar, nossa maneira de se locomover, de fazer compras (e até de guardar compras, ou você sempre lavou pacotes antes de colocá-los no armário?), nossa relação com parentes, vizinhos, amigos e colegas. Tudo isso é novo, estranho e provoca as mais variadas reações.
Pensando nisso tudo, quero conversar com você sobre alguns dos pensamentos mais comuns que tenho acompanhado nas conversas, nas lives, nas redes sociais, nas notícias e até na publicidade. Expressões que muita gente tem usado e que acredito que mereçam mais atenção e reflexão neste momento.
“Vai dar tudo certo!”
Esse pensamento e expressão que vários já devem ter falado ou ouvido, é quase uma espécie de âncora a qual tentamos nos agarrar a todo momento. Estamos exteriorizando o “vai dar tudo certo” muito mais como uma palavra de apoio ou um anseio, do que com o otimismo que essa expressão pode carregar. O que eu quero dizer para você é que se você ouviu um “vai dar tudo certo” de alguém ou de você mesmo, e não conseguiu acreditar nisso, saiba que é absolutamente normal.
Não podemos ter essa certeza. Temos o desejo de que tudo dê certo para todos nós. Mas a situação da pandemia é incerta, e podemos a qualquer momento nos deparar com algo inesperado. O importante aqui é que ao falar ou pensar que tudo vai dar certo nós tenhamos a certeza que isso não está sendo usado para mascarar algum sentimento ou emoção. Nesse momento, sentir-se sem esperança é plenamente aceitável, e você não deve sentir-se culpada(o) por isso. Então não tente parecer otimista, uma vez que todos estão sendo, e nem tente encobrir qualquer sentimento. Se a sensação de medo do futuro estiver tomando conta da sua vida, procure ajuda psicoterapêutica.
“Vamos sair melhores disso tudo!”
A pergunta que devemos nos fazer ao se deparar com essa expressão é se realmente precisamos ser alguém melhor? O que é ser alguém melhor? Essa é uma frase que chega com uma carga enorme de cobrança para pessoas que não conseguem sentir-se confortáveis diante de momentos adversos.
Para muitos o fato de estarmos proibidos de fazer tanta coisa, tendo que descobrir novas maneiras para nosso convívio social são premissas para que possamos reavaliar sentimentos e prioridades e nos tornarmos pessoas melhores depois da pandemia.
Saiba que não há uma régua que possa medir o quanto seremos melhores ou não quando a vida retomar uma “normalidade”. Provavelmente, ainda teremos que lidar com todas as situações que estamos acostumados como vitórias, fracassos, facilidades e dificuldades, cobranças e julgamentos.
Outro ponto importante que precisamos pensar antes de repetir isso é que é necessário ter consciência de que não sabemos o que outro pode estar passando. Pessoas que perderam entes queridos, pessoas que tiveram que fechar seus negócios, vender bens, pessoas que perderam seus empregos ou até mesmo acabaram relacionamentos. É importante agir de forma empática e entender que para essas pessoas não há uma motivação para sair melhor disso tudo.
Isso não quer dizer que é algo que não se deva fazer. Rever e reavaliar nossos sentimentos, projetos, sonhos, metas e prioridades pode ser de grande valia. Primeiro porque podemos adaptá-los a uma nova realidade, e depois porque podemos nos mantermos firmes e ocupados. Sair melhor disso tudo é sairmos com um olhar mais atento a nós mesmos, ao outro e a sua realidade. Um olhar prestativo, sem julgamentos para com todos os tipos de sentimentos. Ser verdadeiramente mais humano no fim desta pandemia é entender que somos, pensamos e agimos de forma diferente e o que mais necessitamos é respeitar isso.
“A vida não vai ser mais a mesma!”
É normal que esse tipo de pensamento surja agora em que todos estamos tendo que descobrir maneiras de seguir a vida. Estamos nos esforçando para seguirmos socialmente envolvidos e engajados e fazendo escolhas todos os dias, a todo momento. Junte a isso o fato de estarmos distantes, as notícias desagradáveis, o cansaço mental e o medo de pegar a doença. Combinação que pode nos levar a crer que nada mais será como antes.
Achar que tudo vai mudar em nossas vidas está longe de ser um pensamento pessimista. É como se de alguma forma estivéssemos enviando sinais de alerta a nós mesmos para entender que, caso alguma coisa venha a acontecer, estará tudo bem, afinal já estávamos preparados para esta mudança.
O que temos que pensar aqui é sobre alarmismo, pânico e o medo que paralisa. Deixar que a pandemia nos afete dessa forma, pode fazer com que deixemos escapar o sentido das nossas vidas, abandonemos projetos e passemos a viver apenas um dia após o outro. Esse tipo de ansiedade, comiseração e tristeza pode levar a uma depressão ou síndrome do pânico. Assim como não podemos afirmar que tudo vai dar certo, também não podemos conjecturar como será a vida no futuro e se ela será diferente ou igual a antes. Faça planos para o futuro. Mantenha-se em conexão com pessoas queridas, com profissionais. Não abandone sua psicoterapia, se precisar comece a fazer uma, mesmo de forma online se você não puder sair de casa ou se sua cidade estiver com mais restrições.
Não deixe que o distanciamento social o impeça de se conectar socialmente. Nós somos seres sociais; precisamos nos conectar. Pense em maneiras pelas quais você pode entrar em contato por telefone, email, redes sociais ou videochamada. Não deixe que o distanciamento social se torne isolamento social . Permaneça conectado, inclusive e principalmente com você mesma(o).
Com certeza todos estamos preocupados de alguma forma com o COVID-19. No entanto, não precisamos deixar que o medo e a ansiedade tirem o melhor de nós. Nós podemos escolher algo diferente. Podemos reconhecer nossas preocupações e fazer o melhor possível para praticar medidas seguras para nós e para nossas famílias. Além disso, não temos muito controle, além de como vamos reagir a essa pandemia. Precisamos de coragem para não deixar que isso nos tire o nosso melhor. E principalmente, saber procurar ajuda, quando não conseguir fazer isso sozinha(o).